quinta-feira, 25 de junho de 2009

Direito de quê mesmo, "esselênsias"? (Flávio Penna)


O Supremo Tribunal Federal decidiu pela desnecessidade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Até pode ser uma decisão sábia, mas não pelas razões apontadas pelo ministro relator. O voto do controvertido ministro Gilmar Mendes demonstra que não apenas os bons jornalistas se formam nas escolas. Os juristas também não se formam nos bancos escolares.
Desregulamentar o exercício profissional é uma questão ideológica. Pode-se discutir se o Estado deve ou não ser cartorial, com braços longos a controlar tudo, a regulamentar tudo. Essa poderia até ser uma discussão que levaria ao fim da exigência de diplomas para vários cursos, inclusive aí o de jornalismo.
Conhecer Direito, por exemplo, não exige que se freqüente bancos de escola. Tanto é verdade, que não é exigido diploma de formação jurídica a um candidato a ministro da Suprema Corte. Exige-se que tenha “notório saber”, não diploma. Por qual razão se exigir registro em conselho profissional de quem, por exemplo, assina um balanço financeiro de empresa com ações na Bolsa de Valores? Ou diploma de engenheiro para que seja autorizada a construção de uma pequena casa, que um bom mestre-de-obras pode realizar, sem riscos?
São alguns dos exemplos que poderiam dar espaço para uma grande discussão, envolvendo a necessidade ou não de diploma de nível superior. Há muito material para sustentar discussões sobre regulamentação ou não de profissão. Inclusive, na área de jornalismo. No caso do diploma de jornalista, “esselênsias”, o que não dá para aceitar é o argumento de que não se pode exigir a qualificação como pressuposto para o exercício da profissão, em nome da liberdade de expressão. Exigir, como alega sua “esselência” presidente, seria impor censura prévia.
Então, “esselências”, os senhores deveriam ter decidido também que, a partir de agora, todos os jornais e todas as emissoras de rádio e televisão devem abrir espaços para que qualquer um manifeste o seu pensamento. Se não abrirem, estarão exercendo censura prévia, impedindo que os cidadãos possam manifestar livremente o seu pensamento.
Com todo o respeito que as “esselências” do Supremo Tribunal Federal possam merecer, estes são argumentos risíveis.
O jornalista, “esselênsias”, quando reporta ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador, que ministros ficam trocando e-mail durante uma sessão do tribunal, enquanto um deles lê um voto que pode ser o condutor de um julgamento; ou quando reporta que um ministro tem seus interesses na área de ensino, ou se comporta como um “velho coronel” em sua terra; ou ainda quando noticia que uma mãe matou a filha, não está, certamente, usando de seu constitucional direito de livre manifestação de pensamento. Está, profissionalmente, relatando fatos para a sociedade.
Raramente uma matéria jornalística contém manifestações de pensamento de seu autor. A opinião em relação a situações e fatos é, normalmente, dos veículos e é manifestada por meio de editorial.
Nem mesmo os colunistas, aqueles que têm espaço próprio nos veículos para escrever ou falar sobre assuntos diversos, pode-se dizer que estão exercendo direito de opinião. Na prática, estão, sim, exercendo a obrigação de emitirem suas opiniões, pois são pagos para isto. Claro que manifestam o que pensam, que têm liberdade. Mas sabemos, todos, que esta liberdade tem um limite, mais amplos em alguns, mais estreitos em outros. E estes limites, bem sabem “vossas esselênsias”, não estão sujeitos a controles jurisdicionais.
Então, senhores e também senhoras – para ser politicamente corretos -, tratem de sustentar seus votos em outros princípios. Se querem atender a este ou aquele interesse, que o façam, mas que apresentem outras razões.
Se estão mesmo convictos de que a desregulamentação deve acontecer, iniciemos logo a tarefa. Há, realmente, muito a ser mudado. Por exemplo, a vitaliciedade das “esselências”. Não se pode justificar a vitaliciedade com a necessidade de dar-se ao julgador segurança e independência e autonomia. Tudo isto, “esselênsias”, é uma questão de caráter, certamente não de salários elevados ou estabilidade no cargo. Por que não se discutir mandatos para ministros dos tribunais, ou para desembargadores? Esta não poderia ser uma forma de oxigenar o pensamento do Judiciário?
Como podem ver, “esselênsias”, a sociedade tem muito a discutir. Mas é preciso que as discussões se dêem de forma mais imparcial. Sobre pressupostos reais. Que suas “esselênsias” se preparem melhor para os próximos embates. Desta vez foi vergonhoso.

Flávio Penna é Diretor da Casa do Jornalista de Minas Gerais.

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